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12.8.11

Opinião - A incapacidade para estarem sozinhas (e caladas)

É oficial: não vou mais ao cinema. Já não é possível ir ao cinema sem sair de lá com uma irritação & dor de garganta. As pessoas já não conseguem ficar caladas durante duas horas. Têm um duende, algures no ombro, a dizer "tens de falar, tens de conversar, fala, conversa, dá uma piada, fala, dá uma risada parva, fala outra vez, ai que bom". E já não estamos a falar apenas de adolescentes. Ontem, um grupo de trintonas achava que podia transformar a fila F num café de bairro. Fui obrigado a explicar-lhes que, com certeza, podíamos bater um papinho, não me importava, mas só depois do filme acabar, o café é lá fora, meus amores. Acreditam que ficaram ofendidas? Depois, ao meu lado, uma senhora de idade começou a explicar o filme ao neto. Eu tentei explicar-lhe que existe uma linha na areia entre a casa dela e o cinema público, e que, por isso, ela tinha de estar caladinha. Acreditam que ficou ofendida? Eu, o tipo que estava calado, é que estava a ser mal-educado.
É oficial: a nuvem (telemóveis & net) anda a dizimar a inteligência e o bom senso da malta. De forma generalizada, as pessoas estão a perder a capacidade para estarem sozinhas e caladas. E não é só no cinema. É em todo o lado. Uma pessoa vai ao restaurante e parece entra num big brother. O "Francisco" chega 5 minutos antes da "Joana". Acham que ele consegue ficar sozinho e calado nesses 5 minutos a olhar, sei lá, para a ementa? Claro que não: pega de imediato no telemóvel. No processo, todas as pessoas num raio de 10 metros ficam a saber que o "Francisco" e a "Joana" têm problemas na cama. Caro "Francisco", era escusado, não? E esta telenovela mexicana repete-se em todo o lado. No café, na frutaria, na fila do Pingo Doce, nos correios. Uma ida à rua passou a ser uma ida à intimidade do "Fransciso", da "Joana", do "Marco", da "Dona Laurinda". Caramba, calem-se um pouco.
Há dias, no consultório, vi uma morena giríssima (sim, eu sei: "morena gira" é um pleonasmo, mas hoje é sexta-feira) a ler Joseph Conrad. Confesso que tive um orgasmo literário e, por breves momentos, reconciliei-me com a espécie. Por breves momentos, voltei ao tempo em que as pessoas liam em silêncio, ao tempo em que as pessoas sabiam estar caladas e sozinhas.
Henrique Raposo (www.expresso.pt)